Vivo a leitura digital. Ela não é parte do meu trabalho, ela é meu trabalho. E dentro deste contexto escrevo esta resposta ao artigo "Um e-book de fracasso", publicado no PublishNews pelo colunista Paulo Tedesco em último dia 21/06/2015.
Como apaixonado por leitura e tecnologia, há 2 anos resolvi assumir esse papel 100%, junto com outros amigos e profissionais: de mostrar que a leitura digital pode ajudar em muito na formação de novos leitores e na disseminação da leitura. Principalmente se unirmos leitura a um hábito já consolidado para a maioria das pessoas: o uso do ambiente digital. E, por favor, isto não é uma guerra de formatos, é uma batalha pela leitura.
Pra mim o maior equívoco é falarmos apenas de livro digital. Isto por si só já é uma limitação enorme nas possibilidades de leitores atingidos. Se limitarmos a leitura digital ao livro no formato que conhecemos, estamos apenas transpondo um mercado consolidado para um novo universo. É preciso pensar em como atingir o usuário mobile, aquelas 100 milhões de pessoas que olham para o telefone celular 150 vezes todo dia. Isso não acontecerá enquanto não pensarmos em criar ou adaptar conteúdos de leitura para a tela.
Dizer que a leitura digital não pode auxiliar, ou pior, tem a missão única e exclusiva de aniquilar a leitura física é o mesmo que dizer que o cartão de débito acabou com o dinheiro em papel. Não vejo desserviço à cultura em uma ferramenta que possibilita a capilaridade do acesso à conteúdos. Além disso, considerar que a queda no número de vendas dos e-readers significa queda na venda de e-books é o mesmo que dizer que se a venda de calculadoras (aquele aparelho que SÓ faz contas) diminuísse, significaria que as pessoas pararam de fazer contas.
Acho importante colocar aqui alguns números do universo do consumo mobile e da leitura digital:
80% de todo acesso a dados no Brasil é mobile (fonte: IBGE)
Hoje são 100 milhões de smartphones ativos no Brasil; em 2013, eram 10 milhões (fonte: Anatel)
As pessoas olham o smartphone 150 vezes por dia, todos os dias (fonte: Google)
O faturamento de livros digitais cresceu 21% em 2015 comparado à 2014 (fonte: FIPE)
O número de e-books vendidos subiu 4,2% em 2015 comparado à 2014 (fonte: FIPE)
As vendas de audiolivros subiram 30% no último ano (fonte: DBW)
Para dar alguns números públicos e dos quais tenho acesso sobre a leitura digital (independente se chamamos de livro ou não, porque em última instância deveríamos estar mais preocupados com o aumento na leitura e o consumo de conteúdo e não somente em que formato isto é realizado):
A uBook, plataforma brasileira de audiolivros, tem hoje 1 milhão de usuários ativos que ouvem em média 1,5 livros por mês;
A Nuvem de Livros, plataforma brasileira de leitura digital tem 2,5 milhões de usuários ativos;
Nós, aqui na Kappamakki O Fiel Carteiro, distribuímos conteúdos para 1 milhão de usuários por mês, dos quais 70% ou 700 mil usuários, são conteúdos de leitura digital;
Os números de vendas no KDP da Amazon, superam diariamente a casa de milhares de exemplares vendidos (o número exato é confidencial).
Segundo a Dosdoce: “Vários estudos internacionais publicados na Feira do Livro de Londres, assim como na Feira BookExpo em Chicago, indicam que as vendas dos e-books das editoras independentes e dos autores autopublicados de todo mundo estão tendo um comportamento digital muito diferente do que os dos grandes grupos editoriais”. Ainda segundo este estudo, “as editoras independentes e os autores independentes tem tido um crescimento de suas vendas entre 20% e 40%, enquanto os grandes grupos editoriais tiveram sua participação no mercado digital reduzida de 46% em 2012 para 34% em 2015, segundo a Nielsen”.
Se olharmos apenas o mainstream do mercado, ou seja, os grandes grupos editorias, veremos que houve sim uma redução na venda de livros digitais, o que não significa que a leitura digital estagnou ou está em queda; significa sim que todo ecossistema digital independente não é levado em consideração nas pesquisas oficiais, sem contar o fato de que os editores e autores independentes raramente são ouvidos quando estes dados são coletados ou quando se publica uma notícia “oficial”. Se nas pesquisas publicadas levássemos em consideração a auto-publicação, autores independentes, editoras independentes e iniciativas de leitura digital, estes números certamente seriam diferentes.
Quanto mais maneiras de levarmos conteúdo pra mais gente, melhor. Pra mim a lógica é essa. Qualquer limitação a formato é considerar menos leitores e menos leitura.
A música enfrentou desafios semelhantes há 15 anos atrás, com a pirataria, com os artistas publicando seus próprios álbuns e, talvez a mais impactante, com as grandes gravadoras perdendo o poder de decidir quem ia ou não para o mercado. No entanto, a música (aos trancos e barrancos, ok) se adaptou à distribuição digital do conteúdo, assim como o cinema e a TV. O mercado editorial também precisa fazer isso, ou vai continuar perdendo espaço para todas as outras indústrias culturais.
Mas, quem está preso a um único modelo e quer definir sozinho o que vai ou não para o mercado pode perder este bonde. Quem diz ou não se o conteúdo é bom é o leitor.
Condenar a autopublicação quando se é um autor com as portas abertas nas grandes editoras é fácil, difícil é mandar seu original centenas de vezes e não ter a oportunidade de ver seu conteúdo publicado. Que se publique, se é bom ou não os próprios leitores vão saber.
Texto originalmente publicado em www.publishnews.com.br
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